3.05.2007

79 – Os Óscares da mesa 19.

Aviso ao leitor: esta crónica contém linguagem adulta, susceptível de chocar algumas sensibilidades. Nomeadamente, deverão abster-se de a ler todas as pessoas que se ofendam com a palavra “caralhinho”. Quanto às pessoas que se ofendem com a expressão “caralhinho de ouro”, deverão, além de se absterem de ler esta crónica, procurar urgente ajuda psicológica, porque, com franqueza, isso não é normal, caramba!

Já diz o povo que a coisa é certa e sabida, chuva em Novembro, Natal em Dezembro. Com idêntica regularidade, retornam uma vez mais os prémios da academia americana de cinema, os famosos Óscares. Conta-se que o galardão terá sido inicialmente instituído por um emigrante português, o senhor Óscar Tibúrcio Alho (mais tarde celebrizado pela canção, “Lá vai o Óscar Alho / Alegre e trabalhador / Lá vai ele para o trabalho”). No projecto original, os prémios seriam constituídos por peças de cerâmica, importadas, expressamente para o efeito, da terra natal do artista, as Caldas da Rainha, mas depois lembraram-se da estatueta dourada, e pronto, apaneleiraram a cerimónia toda.

A mesa 19 não é Hollywood, nem se parecem os nossos filmes com os filmes deles (a própria palavra Hollywood, de resto, significa “Santo Pau”, coisa de certo modo afastada dos nossos gostos e preferências). Sinto, aliás, uma certa pena daquela pobre gente, dos trabalhos e custos em que incorrem para produzir a mais simples cena de um filme, que, assim mesmo, se arrisca a ser um fiasco de bilheteira. O que não daria o Martin Scorsese pela possibilidade de assegurar um sucesso com o mero acto de partir um copo, pedir a conta, ou falar muito alto. Como ele seria feliz, vivendo num mundo onde a simples invenção de uma nova forma de arreliar a Vânia garante uma lotação esgotada. O problema dos americanos, é claro, é que têm sempre de fazer as coisas da maneira mais complicada.

Ao longo de quase oitenta crónicas, e muitos mais almoços, tem-se feito grande cinema na mesa 19. Alguns filmes notáveis, curtas-metragens com abundância, diversos documentários, e animação em quantidades que fariam empalidecer de inveja os estúdios da Warner Brothers. Se há coisa que não nos podem negar, é que nós somos muito animados. Só não nos podemos considerar, com inteira propriedade, uma indústria do celulóide. Esse título, há que admiti-lo, pertence ao próprio restaurante, embora o celulóide se apresente geralmente com outros nomes, como frango de caril, favas à portuguesa, etc. Mas, adiante…

A questão é esta, parece-me bem que, nesta fase do campeonato, já vamos merecendo os nossos próprios Óscares. Longe de mim a pretensão de ganhar uma das tais estatuetas rabichonas, mas não me desgostava de ver o meu talento recompensado com uma caneca malandra, das que trazem uma surpresa no fundo, com um frade garanhão, de cordelinho, ou até um simples “das Caldas”, que eu pudesse exibir em prateleira nobre, lá em casa, informando orgulhosamente os amigos, “E ali está o meu Óscar, não reparem ser só um”. Está então decidido, a mesa 19 passa a atribuir Óscares, os bonecos logo se arranjam. Procedamos, para já, à sua distribuição.

Logo para começar, e antes que haja confusões, reclamo para mim o prémio de melhor argumento. Qual será esse argumento, é algo que ignoro, mas podem escolhê-lo livremente, entre as diversas crónicas. De resto, quem mais é que escreveu já um argumento, para além de mim? Ele há por aí um rapaz que afirma ter o seu próprio original, pronto para publicação, mas confesso que ainda não vi nada. É certo que nada do que eu até hoje escrevi é merecedor de um Óscar. Pronto, tudo bem, eu também não gosto desse nome, mudemo-lo, então. Senhoras e senhores, o caralhinho de ouro para o melhor argumento vai para… o Nuno.

Poucos almoços chegariam a acontecer, se não fosse pelos excelentes serviços do Carlos Santos, que habilmente dirige todo o cast, e nos coloca a todos em cena, no momento oportuno. Para além disso, tem a habilidade de reconduzir o filme ao seu enredo correcto, quando o elenco começa a descambar. Por todas estas razões, mesmo que outras não houvesse, vai para ele o caralhinho de ouro de melhor realizador.

Mas a essência, o frémito e a emoção dos prémios da academia, chega no momento de premiar as grandes actuações. Pouco interessa ao grande público, na verdade, quem escreveu ou realizou, tudo gente que de facto não chega a aparecer na tela. Não, as multidões pagam para ver o herói exclamar, “I’ll be back”, ou a heroína, dengosa, “Is that a gun in your pocket, or are you just glad to see me?”. Vamos, então, conhecer os actores.

Boas representações, eis o que não tem faltado ali, mas uma há, que a todas se sobrepõe. Trata-se do papel mais clássico e apreciado, desde “E tudo o vento levou”, até “António e Cleópatra”. Um homem e uma mulher que se detestam, porque gostam um do outro, e isso porque não gostam, mas até simpatizam, ou não, tudo com a finalidade de chatear o espectador. No meio de tudo isso, conseguem construir entre si um rapport que oscila entre “Música no Coração” e “O resgate do soldado Ryan”. Só tais papéis podem aspirar ao prémio supremo. Por essa razão, os caralhinhos de ouro de melhor actor principal, e melhor actriz principal, vão, respectivamente, para o Rui Cardoso, e para a Vânia.

Não se esgotam aqui, todavia, os prémios atribuídos à casa. De enfiada, saem três caralhinhos de ouro: a Marta, com o melhor guarda-roupa (sobretudo os brincos); a Lana e o Victor, ex-aequo, com o melhor filme mudo; e o patrão Pinto, com a melhor imitação de Marlon Brando no clássico “O Padrinho”. Em jeito de bónus, o caralhinho de ouro do melhor drama, atribuído à cozinha, pelo filme “Osso duro de roer”.

Após muita deliberação do júri, processo que chegou a envolver verbalizações de insultos politicamente incorrectos, ameaças completamente impróprias, e episódios esparsos de sodomia não consentida, decidiu-se atribuir colectivamente, ao Constâncio, Zé Eduardo, e Carlos Silva, o caralhinho de ouro de “Actor mais inapropriado para figurar numa cena pró-americana, a não ser que apareça como contestatário, e nesse caso tem de ser morto logo, ou o filme arrisca-se a ser X-rated”. Eu votei vencido, sobretudo por causa do comprimento do nome do prémio, e terei muito mais a dizer sobre isto, quando me puder sentar melhor.

Outros caralhinhos de ouro existem, e podemos enumerá-los brevemente. Temos o sempre importante caralhinho de ouro dos melhores efeitos especiais, que vai para o Paulo Sousa, o homem santola. O caralhinho de ouro do melhor filme estrangeiro vai para o Paulo Mendes, com o comovedor “As vinhas do vulcão dos pretos”, filme de uma intensidade que nos deixou zonzos. Por último, mas muito importante, temos o Carlos Lopes, cuja obra, “O homem frequentemente invisível”, lhe valeu o prémio “Assim também eu”. Fiquem bem, e um caralhinho para vocês todos.

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