6.16.2006

13 – Juramento de sangue.

“Nos primórdios do século XXI, era ainda habitual que os cidadãos se reunissem em grupos, por vezes até com mais de duas pessoas, a fim de comerem, beberem e conversarem. A estas improváveis agremiações de gente, costumavam eles chamar, as tertúlias”.
in “A grande enciclopédia da proto-história”, edição de dois mil seiscentos e oitenta e nove, revista.

É quase impossível para o cronista, que desde a sua desperdiçada juventude sofre de um irremediável pendor místico, evitar uma associação cabalística, mesmo bíblica, que permeia como um substrato ectoplásmico as crónicas mais recentes. Não é com efeito um caso fortuito que a última tenha sido a décima segunda, número de terminação, a evocar os apóstolos e o fim de Jesus Cristo. Esta, em contrapartida, ostenta o número treze, símbolo inequívoco da predominância aziaga de Judas Iscariotes, figura entre todas controversa, por ser o inimigo de Cristo que o ajudou a concretizar os seus planos, diabo sem o qual não haveria Céu, deus ex machina feito mais tarde demónio, maldito pela sua bendita intervenção no plano divino que, embora o negasse, sempre contou com ele. Nada disto é realmente importante para esta crónica, como é evidente, e só é mencionado para mostrar a alguns espíritos, que exibiram uma certa preocupação quanto ao número fatal, que tudo é relativo, como provou o velho Einstein na sua famosa teoria, cujo imorredoiro enunciado é, “bem, sabe, isso depende, é relativo”.

Serve esta erudita introdução para vos dizer, à sua maneira cambaleante, e exuberantemente caótica, que a comissão responsável pela edição das crónicas da mesa 19 decidiu, após auscultar as opiniões disponíveis em comentário, e depois de severa e prolongada disputa interna, durante a qual o editor se chegou a ferir a si mesmo num olho, numa discordância das suas próprias opiniões que, infelizmente, não fez escola, mas decidiu então a comissão, repetimos, manter a publicação destas crónicas, subsistindo, todavia, um clima de abertura para quaisquer dissenções que se venham a revelar. Isto determinado, há agora naturalmente que escrever uma crónica. Pois que não seja isso um problema, vamos a ela, antes que esfrie.

A mesa 19 é acima de tudo uma tertúlia, e tal consiste, pela sua raridade, cada vez mais num laço sagrado. Nem sempre estamos juntos, como nem sempre temos opiniões iguais, mas são essas diferenças que nos unem, tal como essas distâncias nos aproximam. Esta semana foi disso paradigmática, com uma sardinhada que só envolveu quatro de nós, seguida de uma série de pedrinhas entre feriados, por onde só saltitaram os que tinham faltado à sardinhada. A ela faltou também a Vânia, por razões de força maior, que a obrigaram também a faltar às pedrinhas das semanas subsequentes. Que mal tem isso, afinal, se o sentido de unidade se não desfez?

Há entre nós um juramento que jamais foi dito, mas que se escreveu por si só no sangue de uma honradez primeva, coisa velha e que se supunha em desuso. É isto que autoriza a crer que, contra todas as canalhices do dia a dia, a tertúlia permanecerá coesa. E, enquanto tal se der, as crónicas cá estarão para lhe fazer justiça, nem que para isso tenham de se engalanar com o aziago treze, como foi o caso desta. A guarda morre, mas não se rende. A mesa 19 também não.

Esta, escusado será dizer, foi uma crónica de princípios, de tomada de posições, de definição de atitudes. A próxima, felizmente, será uma crónica interessante, divertida, até, isto no caso de mo permitirem, e não mo levarem a mal. Até lá, vão fazendo o favor de serem felizes.

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