6.02.2006

11 – Dissecando o ET.

A mesa 19 não percebia nada de aritmética, e isso patenteava-se claramente em questões tão triviais como o número de lugares a reservar para cada almoço. Era vulgar encontrarmos apenas quatro, e termos de juntar uma mesa ao espaço que nos tinha sido guardado. Um dia, no entanto, a Marta antecipou-se, e juntou a tal mesa, reservando seis lugares. Logo por azar, éramos quatro, nesse dia. Retirada a mesa adicional, viemos a receber um telefonema que nos autorizava a esperar novo comensal, pelo que voltámos a juntar a terceira mesa. Prescindimos dela uma hora depois, face à evidente ausência do prometido conviva, e a mesa foi de novo removida, sem jamais ter sido ocupada. No dia seguinte, a Marta só nos reservou quatro lugares, o que não bastava, visto que éramos seis.

Outro frequente pomo de discórdia prendia-se com a momentosa questão do ar condicionado. O aparelho de ar condicionado daquela sala situa-se directamente sobre a mesa 19, o que convém maravilhosamente a encalorados como eu, mas desagrada a gentes mais tropicais, para quem seria preferível que a dita maquineta se encontrasse instalada sobre qualquer outra mesa daquela sala, ou, melhor ainda, de uma sala inteiramente diferente. No entanto, conseguíamos via de regra chegar a um consenso, excepto quando o Paulo se encontrava presente.

Tudo no Paulo exsuda aquela encantadora bestialidade feroz, que nos mostra, de forma brava e honesta, aquilo que a humanidade poderia ter sido, caso não se tivesse dado o advento da civilização. Esperar que ele exiba graças sociais, ou comportamentos contemporizadores, é o mesmo que pedir a um enorme gorila que segure uma delicada taça de champanhe, sem derramar uma só gota, durante uma intensa crise de epilepsia. Assim que o Paulo se apercebia do jacto de ar frio, apressava-se a pedir delicadamente, naquela sua forma deliciosa de soltar as palavras por entre os dentes, como balas despedidas do cano de uma metralhadora, Desliga essa merda, porra! Nós então discutíamos democraticamente o assunto, numa assembleia moderada pelo líder natural, que era a pessoa a quem a Vânia tivesse confiado o controlo remoto do aparelho.

Não eram nada fáceis, estas discussões democráticas. Logo para começar, sempre suspeitei que o Paulo não dominava inteiramente o conceito. O facto é que, quando se falava em democracia, ele tinha uma certa tendência para sorrir e mudar de assunto, embora tenha uma vez admitido que na verdade não lhe desagradava, na condição de vir bem passada. Estas carências pontuais, que de certa forma o distanciavam daquilo a que se costuma chamar um intelectual, forçavam-nos amiúde a adoptar, como língua oficial da assembleia, o seu vernáculo das docas, o que tinha o efeito de pontilhar as discussões com cruas referências a improváveis funções biológicas, ao mesmo tempo em que se desvendavam segredos inomináveis sobre os hábitos sexuais dos antepassados de cada um dos circunstantes. Aquilo era lamentável e, de certo modo, muito parecido com duas miúdas em biquíni a lutar numa caixa de lama: é nojento, é degradante, e ninguém quer ficar de fora.

Mas havia algo que não fazia ainda sentido. Eu contei já nestas páginas que o Paulo, oriundo do planeta Bostis Merdix 7, teve a sorte de ir parar a uma firma corporativa, onde se adaptou como uma luva se adapta à mão que a veste. Mas acontece que eu sei que uma das principais actividades desenvolvidas por estas empresas é a realização de reuniões. Marcam-se reuniões seja pelo que for, ao ponto de a mais prestigiada das reuniões, la creme de la creme, se dividir em duas partes. Na primeira, analisa-se a reunião anterior, enquanto a segunda é dedicada a planear a reunião seguinte.

Isto queria então dizer, se a lógica não me pregava nenhuma partida, que a atitude do Paulo era um trunfo de sobrevivência neste ambiente, e que as tais reuniões não passavam de outras tantas sessões de luta livre como as nossas, onde imperaria a lógica do “tem razão quem bate primeiro”, e onde o equilíbrio do poder seria decidido com base na pose do controlo remoto. Pensei um pouco mais, recordando algumas reuniões a que compareci, antes de ser dispensado dessas actividades, devido ao meu hábito de adormecer a meio da função. Não havia por onde errar, as reuniões corporativas eram mesmo assim, e o Paulo ajustava-se-lhes na perfeição.

Subitamente, compreendi tudo: o planeta Bostis Merdix 7, de onde o Paulo veio, é necessariamente mais evoluído do que o nosso, visto que dominam já as viagens inter-estrelares. Os seus habitantes não são já homo sapiens sapiens, pois evoluíram para o estádio seguinte, o homo corporativus. Esta nova espécie, dispondo de poderes que apenas agora começamos a aflorar, está expressamente adaptada a um ecossistema de merda, cujos ciclos se limitam a transformar caca em bosta, e vice-versa. É um homem que vale a pena contemplar, o Paulo, novo modelo do futuro do homem.

Isto leva-me de novo às observações que abrem esta crónica, os nossos problemas com a aritmética mais trivial. Interpreto tal coisa como um sinal, muito positivo, de que nos estamos por fim a integrar no modelo corporativo. Nunca vi, com efeito, um moderno gestor que fosse capaz de somar dois números sem se sentir enjoado. A única coisa que todos sabem é que dois objectos juntos formam um par, e sabem disso porque um par é algo que as suas mulheres lhes meteram na cabeça, já há algum tempo

Resta-nos apenas mencionar, só por mencionar, o emplastro da Vânia, o Gonçalo. Não estou ainda seguro disto, mas suspeito que é ele o Terminator.

3 comentários:

Anónimo disse...

Lisongeado pelo tempo dedicado ponto(.) Lastimo-vos na falta de falta de gosto de ver a luta das tais duas miudas em bikini na caixa de lama ponto(.)Muito pior em Bostis Merdix 7 onde essas lutas são envoltas por um cheiro bem mais nauseabundo(a) ponto ponto ponto(...) terráqueos ponto ponto ponto exclamação(...!) nem sabem a sorte que têm exclamação ponto ponto ponto (!...)
Apreensivo quanto ao exterminador ponto ponto ponto (...) Não mais voltarei aquela Casa de Pasto até ter mais certezas ponto final(.-mesmo)
Saudações intergalácticas virgula (,)
O ET

Anónimo disse...

Valioso Paulo,
Esta Bosta de 11 é marecedora do meu mais imediato NOJO!
O FOZY tem acessos de boçalidade que o encomendam às minas de carvão (País de Gales) no início da Revolução Industrial. Tipo 'O Vale Era Verde' (o filme).
O caranguejo não è mamífero!!!!
Sendo eu um pendura, dou por ti o coiro, e não admito que te esquives desta tertúlia por causa de escamas deste BAIXO QUILATE!!

Anónimo disse...

ler todo o blog, muito bom