8.11.2006

22 – Quando formos mais crescidos.

Ele há grandes questões, questões que são perenes, imutáveis. Qual o sentido profundo da vida, com que idade podemos finalmente encará-la com maturidade, porque é que a miúda se recusa a fazer aquilo, se eu estou farto de lhe pedir, até que ponto é o cosmos movido pela fraternidade universal, e onde raio foram parar as minhas calças? Só esta última, posso pessoalmente afiançá-lo, bastaria para encher volumes de tergiversação ontológica, mas não é esse o objectivo destas crónicas. Concentremo-nos então numa das outras perguntas, o que é a maturidade, e quando é que se chega lá?

Tentemos, em todo o caso, ir mais longe do que o saudoso conselheiro Torres, mentor político do Conde de Abranhos, a quem roubámos a frase de abertura deste texto, Ele há grandes questões. Tinha depois o hábito de as enunciar gravemente, o pauperismo, a prostituição, o ultramontanismo, mas não ia jamais além disso. Pois seja, nós é que somos feitos de outra massa, não comparticipamos da natureza aérea e esvoaçante da borboleta, que toca aqui e ali sem jamais se deter; nós temos antes a contumácia incisiva da vespa, que despreza a mera superfície, para com o ferrão explorar em profundidade. Se dizemos que o tema em apreço é a maturidade, pode o leitor ficar seguro de que a palavra será escalpelizada ao largo e ao comprido, até que nenhuma das suas sílabas sangrentas retenha para nós o menor segredo.

Maturidade, assevera-nos arrogante o displicente dicionário, é simplesmente a qualidade daquilo que está maduro, ou que é maduro. Sob esse aspecto particular, as pessoas assemelham-se bastante à fruta, começam verdes, depois amadurecem, e caem por fim da árvore, batendo amiúde com a cabeça, nesse processo. Ficam então um bocado patetas, e os jovens, para não dizerem, Olha aquele pateta, dizem antes, Olha aquele maduro. Vista por este ângulo, a maturidade parece situar-se desconfortavelmente próxima da senilidade, sendo portanto coisa mais para temer do que para desejar.

Mas, será contudo assim? Entre as frescas manhãs dos verdes anos, e o pesado crepúsculo que é a senescência da razão, não haverá algo de intermédio, a serenidade de um entardecer doirado e tranquilo, onde o espírito cansado medita sob uma leve brisa outonal, e o coração bate por fim um compasso de paz? Um espaço da vida para gastar em recordações, agora que o tempo de agir terminou, e a idade implacável não trouxe ainda o esquecimento? Há de facto esse tempo, e chama-se maturidade.

Assim eram as fases ordenadas da vida, tais como a centelha divina que habita cada ser humano as dispôs, mas veio depois uma coisa chamada vida moderna, e lixou tudo!

O percurso da vida de uma pessoa pode ser comparado à escalada de um monte, mas um monte especial, um que tenha um topo plano e muito alongado. Nos anos de actividade e esforço, o homem galga conscienciosamente o íngreme declive ascendente. Atingido o topo, e com ele a maturidade do indivíduo, compraz-se em passear tranquilamente pelo plaino verdejante, até que chegue o momento de empreender, pelo outro lado, a descida que só terminará no oblívio final, sete palmos sob a terra. Eram assim as coisas dantes, mas agora parece que já não são.

Hoje em dia, só um critério mede o valor de uma pessoa: a altura a que se consegue guindar, ao longo da vida. Não interessa nunca parar, o repouso nenhum valor tem, e contemplar a paisagem é a atitude de um inútil e um falhado. Apenas interessa subir, subir o mais possível. É claro que a uma maior subida corresponde uma maior descida, pelo que a plataforma do topo se vai estreitando, até se ver reduzida a um bico aguçado. A plenitude de vida, nos nossos tempos, consiste em começar a descer mal se acaba de subir, sem passar um só minuto no topo.

De todas as nefastas consequências deste deplorável estado de coisas, uma há que salta de imediato à vista: a sociedade ressente-se, cada vez mais, de um lamentável défice de maturidade. Age-se muito, primeiro, e disparata-se mais, depois, mas falta o contraponto estabilizador da reflexão madura. Isto nota-se em todo o lado, desde as grandes empresas corporativas, até à política de pesca do bacalhau.

E a mesa 19? Pois bem, pese embora o imponente acervo de mentes filosóficas que a recheiam, a nossa mesa não é, nem poderia ser, imune a este fenómeno. Há sintomas que preocupam, uma ambição aqui, um impulso para trabalhar mais, ali, um inesperado desinteresse pelas reformas antecipadas, vez por outra. Mas há também esperanças, há olhos que se abrem, mentes que despertam. Por mais que nos tentem manter verdes, a mesa 19 vai amadurecendo.

Eu tenho um sonho. Não é como o sonho do outro, com os pretinhos e os branquinhos a serem muito porreiraços uns para os outros, o que até pode não ser mau, mas não é disso que estamos a falar. Não, eu sonho com o dia em que, malgré tout et tous, atingiremos finalmente a maturidade. Nessa data memorável, a única camisola que a mesa 19 vestirá será uma t-shirt com esta frase, “Se tens inveja do meu viver, faz como eu: reforma-te, malandro”.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fantástico, Nuno querido! Gostei do teu sonho, das tuas borboletas e das tuas vespas, da tua maturidade :) Desde o início que me encantou. Um beijo azul e verde, aquele que só nós dois compreendemos pois é nesse ponto que o céu de cada um de nós se encontra.

Leo disse...

Essa coisa da maturidade parece-me um pouco como a montanha russa: há situações em que quase se cai da árvore e outros em que se é tão verde que até chateia...