12.04.2006

51 – Desaparafusados.

A Vânia, soube-o hoje, já teve um parafuso a mais. Deu-se isto em tempos mais juvenis, quando ela era uma indefectível praticante do desporto radical que consiste em cair da moto. Um dia houve, em que ela se excedeu na prática, fracturando assim o rádio, que nunca mais voltou a tocar música de jeito. Resultou isso em ter de passar um bom número de meses com um parafuso no braço, coisa que entretanto já retirou. Nós, sem termos partido nada, temos pelo contrário um parafuso a menos.

Isto é verdade, tão verdade como começar a Vânia a contemplar ponderadamente os nossos disparates, e a interrogar-se, seriamente, sobre se terá escolhido a profissão adequada, e se aturar malucos será de facto a sua vocação. É que nós, para falar com franqueza, não batemos bem da bola.

Serve esta crónica para falar de malucos, e do seu papel na sociedade. Hoje, por exemplo, a Vânia discorria sobre o tamanho dos carapaus, e a sua relação com as sardinhas. Eu, é claro, aproveitei logo para lhe explicar como as latas de sardinhas são pescadas, e como os pescadores se afadigam a abri-las, e a limpar o peixe dos seus molhos de azeite ou de tomate, a fim de produzir a sardinha fresca. Ela acabou por se retirar, chocada, como se houvesse algum mal em acreditar em coisas como estas.

A verdade é esta, eu estou-me marimbando para a forma como a sardinha é pescada, como espero que qualquer pessoa esteja, a menos que essa pessoa seja, por um eventual acaso, um pescador de sardinhas. O modo como as latas de sardinhas se reproduzem não me interessa minimamente, embora me tenha esforçado por o explicar minuciosamente à Vânia. Só não quero, a única coisa que não desejo, é que me venham lembrar que as sardinhas são pescadas, monotonamente, numa rede de arrasto. A realidade não tem nada que vir estragar a melhor fantasia.

Vem isto a propósito de pessoas sérias, e da melhor forma de as fazer descontrair. Hoje disparatámos tanto, que até a Vânia, sisuda e prosaicamente realista, se começou a rir. Mas eles andam aí, os cinzentões. Podemos encontrá-los no trabalho, na rua, e até em blogs. Gente que vive a realidade, que vive na realidade, que vive da realidade, que vive para a realidade. Chatos, em suma.

No caso da Vânia, acontece que ela tem queda para o realismo, e o asfalto onde ela cai somos nós. Daí a sua constante tentativa para nos retirar dos delirantes lagos da fantasia, e nos reconduzir à aridez desértica do mundo real. Nós rimo-nos, mas é só porque não achamos graça.

Pode parecer, bem, idiota, o facto de nos comportarmos como um bando de idiotas, mas a alternativa é sinistra. Imagine-se, só por hipótese, um mundo de gente séria, muito consciente da sua própria importância, como se de facto tivesse alguma, postulando petreamente as suas ideias sérias. Como seria esse mundo?

Pois é, seria igualzinho a tantos ministérios, tantos conselhos de administração, tantas assembleias, onde todos dizem, com ar invariavelmente sério, as mais tonitruantes atoardas. Um bando de imbecis, ciclicamente validados pelo conceito que cada um faz do outro, em troca do conceito que o outro há-de fazer do um.

A mesa 19 é diferente. Nós somos forçados a viver no mundo real, mas tentamos escapar dele à hora do almoço. A realidade pode continuar a existir à nossa volta, nós estamos numa dimensão diferente. A Vânia pode abominar o nosso comportamento, mas de que lhe serve vir explicar-nos isso? Nós somos malucos! Dã…

Até vir o dia em que os figurões de pacotilha hão-de cair lá bem do alto da sua suposta importância, e se vai acabar por perceber quem é de facto maluco. Até lá, digam-me o que quiserem, mas digam-no com respeito. É que, não sei se sabem disto, eu sou Napoleão Bonaparte. Hoje, que amanhã logo se vê.

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