2.02.2007

72 – A Marta.

Alto-mar, preia-mar,
Baixa-mar, mar morto.
Baixa-mar, baixa-mar,
Bai chamar pai a outro.


A Vânia hoje baldou-se, presumivelmente para estudar (eu acho que foi, na verdade, para se repoltrear no mais iníquo e desenfreado pecado, mas adiante). Teve isso como consequência sermos servidos pela Marta, o que é uma experiência semelhante a substituirmos o peixinho vermelho lá de casa por uma enguia eléctrica, e meter depois a mão dentro do aquário. Numa simples palavra, bem ao gosto do James Bond: Shocking.

Aquilo não é uma mulher, é um dínamo. Não se passa um minuto sem a termos ao nosso lado, saltitante, tentando limpar um cinzeiro que apenas contém uma ponta de cigarro, ou levar pratos e copos que acha que não fazem falta (o fazerem ou não falta, de facto, é um factor despiciendo e irrelevante, que pode perfeitamente ser ignorado, nesta equação). Ela substitui jarros de vinho que não estavam sequer vazios, propõe-se trazer isto ou aquilo, faz o diabo a sete. É quase como ser servido por um cruzamento entre o Benson, mordomo preto da série americana, e o He-Man!

A moça tem também alguns defeitos. Hoje, por exemplo, trazia uns brincos inenarráveis, muito semelhantes a algo que a Floribela poderia ter comprado no Martim Moniz. Censurei-lhe severamente as excrescências, mas tenho de admitir, para ser inteiramente justo, que já no dia anterior a Vânia se tinha apresentado, com as unhas pintadas de um tom tipo Morangos “sou gay” com Açúcar, cor-de-rosa, que em nada lhe favorecia os piercings. São modas.

São, todavia, modas perniciosas. Como diria o bom do diácono, Qualquer dia, hum, andam por aí a tatuar os nomes dos antigos namorados, naquelas zonas traseiras, hum, que são tradicionalmente território da cueca. Depois, quando o novo namorado manifestar ciúmes, pedem-lhe que resolva o assunto com umas valentes nalgadas, bem por cima dos tais nomes, e quem sabe, hum, as porcarias que farão depois. É que o pecado anda à solta, meus irmãos, e vós, se sabeis o que vos convém, deveis ir para junto das vossas famílias, e orar. Ide, pois, e deixai lá ficar em paz as nalgas alheias. Isto, pelo menos, hum, é o que eu penso, não é?

A Marta tem ainda outras vantagens. Para além de ser simpática e saltitante, entre várias coisas, ela ainda nos leva a sério. Se lhe pedimos umas ervilhas com ovos escalfados, sem frango, ela esforça-se conscientemente por nos satisfazer o pedido. A Vânia, pelo contrário, já não nos liga nenhuma, nem quando lhe pedimos a conta.

Eu disse já, em crónica muito antiga, que a Vânia é a nossa terapeuta, e a Marta é uma das nossas tratadoras. Mas, digam-me lá, de quem é que o gado gosta mais? Do veterinário que lhe espeta uma agulha, ou do tratador que lhe dá um torrão de açúcar, apesar das recomendações do clínico? É certo que, no nosso caso são, sobretudo, cheirinhos bem servidos, mas o princípio é o mesmo.

Se eu quisesse discutir os pervertidos pontos de vista de Freud, esse grande tarado, ou as dúvidas de Descartes sobre a sua própria existência, iria provavelmente ter com a Vânia, mas, para me rir um bocado, desconfio que escolhia a Marta. Isto não implica qualquer juízo de valor, as coisas são como são, e pronto.

Volto, ainda, a insistir na questão dos cheirinhos. Ambas são liberais, neste particular, mas a Vânia consegue sempre mostrar que aquilo é um favor especial, e que não tínhamos realmente direito a ele. A Marta, pelo contrário, serve-nos, e pronto.

Resta apenas explicar a relação entre esta crónica, e o poema inicial. Pois bem, tal como na questão do aborto, eu exerço a minha liberdade de escolha, e escolho não a explicar. Estou nesse direito, e pronto. De resto, imaginem que a coisa não tinha qualquer relação? Como é que eu ia explicar fosse o que fosse? Não pensaram nisto antes, de certeza! Ah pois, pois é.

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