5.25.2006

8 – A coisa alastra-se.

Já lá disse Robert Heinlein, a chatice de ter uma gata é que ela está sempre a ter gatinhos. Ou então, vejamos o problema do ponto de vista dos ingleses, que defendem que nenhuma boa acção escapa sem castigo, verdade que me atingiu em cheio quando descobri que a publicação deste blog, a minha discutível boa acção, começava a convocar reacções externas, de maior ou menor poder de ameaça. Não apontarei aqui casos individuais, de forma a proteger, não os inocentes, mas a minha pobre cabeça, que gostaria de levar intacta para o túmulo. Direi no entanto que, de um modo geral, se começava a alastrar nos meios limítrofes ao nosso grupo a ideia de que a mesa 19 se compunha de um bando gargantuesco, pantagruélico, que gastava uma imensidão de horas em bacanais rabelaisianos de comezaina e vinhaça. À orgíaca degradação escaparia apenas um personagem, este vosso humilde cronista. Ora bem, há que dizer com toda a frontalidade que nada disso era assim, nem os outros bebiam tanto, nem eu tão pouco, e, se tal coisa parece depreender-se é justamente por ser eu o cronista, pelo que tenho sempre o cuidado de me pôr à margem dos exageros que vou inventando nos outros. São figuras de estilo com que se vai salpicando de alguma cor esta série de contos, e não oferecem perigo, quando lidos por quem conhece a real realidade, se é que esta frase se pode dizer assim. Depois, quando menos nos precatamos, vem alguém de fora, lê a direito o que era para ler na diagonal, e está armado o burburinho. Fique portanto descansada a população, que a mesa 19 é apenas um sítio onde pacatamente se almoça, onde alguns bebem mais que outros, mas sempre dentro do que manda a razão, e onde também estou eu para cometer os excessos, dizer os disparates, e ir convocando os jarros de bebida com que as nossas musas habitualmente nos brindam. E tenho dito.

Vem esta nota marginal a propósito da seguinte constatação, a crónicas saíram já da mesa 19, e esvoaçam soltas pelo mundo. Aquilo que começou por ser um diário íntimo da vida mundana de uns quantos rapazes (nota mental: nunca usar “íntimo” e “rapazes” numa mesma frase), acabou por se tornar numa crónica social, com interesse genérico, e significados por trás dos significantes, ou seja, tornou-se numa coisa chata. Por outras palavras, cresceu. As coisas ficam normalmente chatas quando crescem, menos os bolos, que têm antes tendência para arredondar. E depois, isto dos crescimentos costuma ser uma coisa que se pega, escrevemos uma crónica que vai adquirindo maturidade e, mal nos precatamos, damos connosco a crescer também, e vamos deixando de saber o que é feito daquele espírito juvenil e galhofeiro com que embarcámos na aventura. Até os leitores, mesmo os que, por felicidade, são providos de uma alma infantil, se vêem arrastados para longe dessa doce enseada, e empurrados na direcção dos fundos negros e insondáveis da adultice, essa doença alarve e estupidificante que sempre espreita no descuidado futuro de cada um de nós. Como prova de que não exagero, veja-se a Vânia, que ainda hoje comprimiu severamente o habitual sorriso menineiro, para me repreender, em tom sério e inflexível, pelos vitupérios com que salpiquei de opróbrio esse ícone do amor ideal, o seu namorado.

Por muito que eu tal coisa lamentasse, a verdade é que me vi forçado a assumir também um tom adulto, quando lhe expliquei que a crónica seis mais não é do que um pedido de desculpas pela famigerada crónica cinco, não constituindo a metáfora medieval qualquer ofensa, pese embora o uso de termos mais ou menos discutíveis. Ela não aceita tal coisa, no que me parece revelar um lamentável eclipse das suas notáveis capacidades psicológicas. Eu esperaria que isto fosse óbvio para qualquer psicólogo, uma referência a Miguel de Cervantes, feita por um psicopata, não pode ser senão elogiativa. Com mil diabos, Dom Quixote de la Mancha é o nosso ídolo, não há doido que se não reveja nele. Eu achei sinceramente que a minha criação, Dom Emplastro de la Mancha nas Calças, não era menos do que uma simpática homenagem ao jovem. Estava enganado, o que lamento, e nem a sétima crónica logrou pôr água na fervura. Fica portanto aqui esta, a última coisa com sentido que me permito escrever neste espaço, a declarar peremptoriamente que, no mundo real, nem os locatários da mesa 19 são uns bêbados, nem o emplastro é emplastro, mas apenas Gonçalo, um tipo porreiro que um dia fará a Vânia feliz (convinha talvez que aprendesse a descontrair-se um pouco, mas isso virá com o tempo). Isto declarado, peço encarecidamente a todos que não me voltem a obrigar a falar a sério, que não é para isso que este blog existe.

Muito obrigado.

P.S. Descobri hoje que o Paulo é um extraterrestre. Mais informações na próxima crónica.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sempre achei que a escrita, principalmente a de ficção, é um acto de coragem. Bem maior que a dos poetas. Percebo o soluço do Fonzy nesta 8. Não é bem a vertigem da caminhada para o cadafalço, nem o prazer de encarar uma lâmina virgem lá no alto!
Cá para mim ele teme ser enrabado depois de ficar sem cabeça...
Sossega, Fonzy! A 19 não vai permitir isso. Juro!

Anónimo disse...

FONZY parece que está mal...
FOZY é que é! Mas eu não segui o Muppet Show...
FON era uma expressão muito usada por um goês chamado Salvador e que era funcionário da CGD no Calhariz (Lg. de Camões) há uma vintena de anos. Bom homem. Em frente ao antigo edifício da Caixa existe uma tasca chamada Casa da Índia. Ele era tão patriota que todos os dias tentava esgotar a adega da dita Casa. Por isso lhe chamávamos O Salvador da Índia. A refrega era tão dura...Acho que nunca lhe ouvi dizer outra coisa que não FON... Nunca ninguém percebeu o alcance da cousa.

ana disse...

De uma vez por todas, é Fozzie! Humpf.