10.30.2006

37 – A mesa 19, segundo Einstein.

É facto bem sabido, já desde os alvores do século finado, que tudo neste mundo é relativo. Afirmava alguém que não, que isso de ser tudo relativo não é um dado absoluto, pois essas coisas são muito relativas. A contestação vem, paradoxalmente, comprovar a tese original, e fica-nos a certeza de que o velho Einstein descobriu realmente alguma coisa importante. Que coisa poderá ser essa, eis o que desconheço em absoluto, sendo, como sou, um completo ignorante em questões de física. Isso não impede, no entanto, que o tente explicar aqui. Vamos então a isso.

O que vem a ser, nesse caso, a teoria da relatividade? Bem, trata-se claramente de uma teoria, e aquilo sobre que teoriza é, evidentemente, a relatividade. Consiste esta última em e=mc2, fórmula de miraculosa aplicação a todas as realidades da vida, incluindo a arte de bem apertar o botão das calças. No nosso caso concreto, tem-se que E é a ementa, M a mesa, logo igual a 19, e C2 o quadrado do número de convivas. Conclui-se, portanto, que deveria haver muitos mais pratos disponíveis, em cada almoço, pelo que andamos aqui a perder qualquer coisa. Não é esta a única equação envolvida, de modo nenhum, mas chega para nos dar uma ideia do assunto.

O ponto que aqui nos interessa é o seguinte: a teoria da relatividade dá origem a paradoxos, relacionados com a contracção do espaço e do tempo, aspecto em que é muito semelhante à mesa 19. Como justificar, por exemplo, que a primeira hora passada no restaurante se dilate, ao ponto de nos permitir almoçar e tomar cafés, enquanto o tempo seguinte se contrai, passando à desfilada uma quantidade de minutos gastos em nada? De que forma compreender a complexa geometria espacial de uma mesa que, com quatro lugares, acomoda todo o grupo, enquanto noutras vezes se apresenta com seis, e não bastam? São paradoxos que nem o velho Alberto saberia explicar!

Se a questão do tempo poderia ser eventualmente atribuída às libações alcoólicas do almoço, hipótese que veementemente nego, já a anomalia espacial resulta muito mais difícil de explicar, já que se manifesta logo no início dos trabalhos, antes que qualquer bebida seja consumida. Alguns autores defendem que, para além da quantidade de néctares espirituosos, há a considerar ainda o peso total de marisco presente à mesa. Ora bem, nós costumamos de facto almoçar com uma santola de oitenta quilos, o que é muito marisco, visto sob qualquer ângulo. Será essa a causa dos paradoxos?

Bem que eu sempre disse, esta mania que o Paulo arranjou, de se fazer passar por um crustáceo, ainda havia de dar mau resultado. Mais de uma vez o imaginei detido por atentado à moral e bons costumes, escoltado por dois agentes rudes, que se entreteriam com trocadilhos boçais e soezes, tipo, Pinças que és muito esperto? Baixa mas é as antenas, senão amolgo-te a carapaça. O que jamais me passou pela cabeça, no entanto, foi que a sua pequena brincadeira transgénica fosse capaz de interferir no próprio tecido do espaço-tempo.

Não restam contudo dúvidas, as tenazes da santola rasgaram mesmo esse fino tecido, e tudo se tornou possível. A refeição do meio-dia à uma pode acabar às três da tarde, ou a meio da manhã, numa mesa cujo tamanho vai variando ao sabor de uma incógnita ferozmente irracional. Eis-nos caídos em plena “Alice no país das maravilhas”. O jarro de vinho é o espelho, e a Vânia é o coelho branco. A Marta é a rainha de copas, e o Rui Constâncio, com umas tranças em vez da barba, é a Alice. Quanto a mim, reclamo o direito de ser o chapeleiro louco.

Resta então saber, face a isto, se Lewis Carrol já sabia que e=mc2. É bem provável que sim, e, nesse caso, Einstein limitou-se a caricaturar toda esta situação, com a sua teoria da relatividade. A chave para a leitura é agora evidente, a Vânia seria a Alice, e o Rui seria a mãe do coelho branco. Eu seria o irmão mau do chapeleiro louco, personagem que constitui um desafio, por não existir, e o Paulo Sousa apareceria figurativamente, como uma chávena de chá. Penso que isto resolve o mistério, no caso de não haver dobrada. Se houver, teremos de recorrer à mecânica quântica, e todos sabemos o que o velho Alberto pensava acerca disso.

Antes isso, no entanto, que ter de achar a derivada da mesa 19. A nossa mesa não se deriva, porque é primitiva. E pronto.

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