10.31.2006

38 – Menina não entra.

Quando eu era mais novo, ao ponto, mesmo, de me considerarem jovem, costumávamos ler umas coisas chamadas “livros aos quadradinhos”, entidade que no Brasil responde pelo bem mais sucinto nome de “gibis”. Destes, uma parte era considerada infantil, e outra séria, distinguindo-se esta por constar de desenhos a preto e branco, com muitos tiros. A parte infantil vinha assinada por Walt Disney, com raras excepções, entre as quais as histórias da Lulu e do Bolinha, de autor que confesso não recordar, mas sem dúvida genial. Nessas histórias, os meninos, chefiados pelo Bolinha, tinham um clube exclusivamente masculino, sendo que o seu lema é o que dá o título a esta crónica, Menina não entra. O curioso é que eles não podiam passar sem as meninas, mas não queriam também passar com elas. Idiota, não é? Ou será que não?

Serve esta crónica para considerar a seguinte questão: não há mulheres na mesa 19. O facto, simples e brutal, não se presta a discussão, estando os seus fundamentos expostos para quem os quiser ver. Ao longo destas trinta e oito crónicas, sentei já na nossa mesa cerca de dez clientes habituais, fora uns quantos turistas, e todos eles enfermavam do sindroma da posse de pénis, coisa que por hábito distingue os elementos do sexo dito forte, o masculino. Nunca, desde que comecei a frequentar a mesa 19, foi esta distinguida com a gentil presença de uma feminil figura.

Rezam lendas mal confirmadas que sim, que no tempo em que os animais falavam, veio uma Helena das terras do norte, suavizar com o seu estro feminino a brutalidade grosseira do género macho, aquele que não evoluiu desde os ditosos dias das cavernas, quando o homem não tinha mais trabalho do que matar um pterodáctilo para o pequeno-almoço, e um par de brontossauros para encher a despensa. A mulher, nesses tempos arcaicos, servia para aplaudir o homem pelos seus feitos de músculo. Hoje, as coisas mudaram, a mulher não se presta já a esses papéis, e não serve mais para nada.

Isto será talvez um pouco drástico, querendo o adjectivo dizer que é politicamente incorrecto. A correcção política, muito em voga nos nossos tempos, manda-nos elevar aos píncaros da qualidade e competência todo o bicho careto, desde que se trate de: a) uma mulher; b) um preto; ab) uma mulher preta; c) um transsexual; cb) um transsexual preto; cba) um transsexual convertido numa mulher preta; d) a Woopy Goldberg. Quanto a um homem heterossexual que viva satisfeito com a sua sexualidade, trata-se evidentemente de um verme machista e explorador, apenas digno de ser calcado aos pés, com um trejeito de nojo.

E, ai de mim, é desses vermes que se compõe a mesa 19. Somos todos homens, daqueles que arrotam sem complexos o almoço ingerido (certo, isso sou mais eu, mas adiante). Calamo-nos todos em admiração quando entra um grupo de mulheres bonitas, e posso afiançar que nenhum de nós está a pensar no prazer que seria fazer tricot com elas. A Vânia não nos percebe, porque está ainda a meio do curso. Já estudou o lobo, falta-lhe estudar a alcateia. O facto é que nós somos perigosos, como cães que caçam em matilhas. Uma mulher, no meio de nós, correria o sério risco de ser deglutida!

Façamos um exercício de imaginação: digamos que existe uma mulher, apenas uma, entre os frequentadores da mesa 19. Somos seis, por hipótese, cinco homens e Ela. Nós pedimos um jarro de vinho, ela pede um ice tea de manga e raiz de jasmim, e estranha o nosso pedido, Tanto vinho? Ninguém tem alma de lhe explicar que não, que essa procissão ainda vai no adro. Um sorriso comprometido, e ficamos todos calados, com o ar inteligente de basbaques.

O jarro vazio comanda urgente pedido de reenchimento, e a comida ainda nem sequer chegou. A ninfa, entre dois gargarejos da beberagem pseudo-tropical, horroriza-se com “toda aquela vinhaça”. A Vânia faz causa comum com ela, como é próprio do sexo enfraquecedor, e nós começamos a criar uma certa vergonha de sermos uns beberrões abomináveis. Ainda não começámos a comer, e parece que já bebemos demais!

Após um almoço sensaborão, de tão depurado de qualquer termo menos consentâneo com a delicada sensibilidade auricular de uma virgem grega, por mais que os factos conhecidos tendam a colocar a nossa amiga na categoria das cortesãs romanas em fins de império, chega a hora dos digestivos. E aí, meus amigos, o melhor é pedirmos todos um chá, ou estaremos bem lixados, com um F muito grande. Whisky, brandy, vodka? Só se fosse um creme de mente, e mesmo assim… não, não dá!

A mesa 19 é uma daquelas coisas de homens, e ponto final. É uma guerra nossa, e as mulheres podem sempre torcer por nós, para que a ganhemos. No fim, o benefício será mútuo, pois o que nós ganharmos será ganho em nome delas. Que diabo, é para isso que os homens servem, ou não é?

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