11.02.2006

39 – Afinal havia outras.

A Vânia, é com mágoa que o digo, descambou! Há já várias crónicas que tenho aqui exarado a minha preocupação em relação a essa miúda, tidas em conta as atitudes que tem revelado, pelo menos no que respeita à mesa 19. Pensei, contudo, que de birra ou amuo se tratasse, mas descobri agora que é mais sério o caso. A Vânia, passe o plebeísmo, pôs-nos com dono!

Serve esta crónica para falar de palitos, dos palitos que as testas da mesa 19 hoje ostentam, pares de bandarilhas que exibem despudoradamente o nome da que foi a nossa musa, e é agora uma novel Circe, mais não enxergando do que um leitão em cada um de nós, e nem por isso um leitão muito bem-educado. Os palitos, já dizia o saudoso MEC, são a versão portátil e civilizada dos clássicos cornos, mas têm um grave inconveniente: ao invés de darem, como seria de esperar, uma mera dor de palito, dão na mesma a velha dor de corno, como se a dimensão da nevralgia independesse do diâmetro das hastes que a fronte é obrigada a alojar.

Seja mais ou menos frondosa a ramada imposta, o facto é que a nossa amiga nos anda a empalitar. Pensávamos ter com ela uma relação especial, e volve-se esta no banal toma-lá-dá-cá da restauração quotidiana. Cuidávamos ser única a mesa 19, e afinal havia outras, muitas outras, até. Bastava ouvi-la no outro dia, em conversa íntima com esse aglomerado bastardo de tábuas que é a mesa 18! Todos os diálogos que de início mantivemos, todos ela ali repetiu, como quem enceta novo romance à vista do antigo. E nós, a vermos crescer os palitos.

É triste, mas é verdade: o homem depende da mulher, e a mesa 19, sendo uma coisa de homens, como ficou já demonstrado, depende também de uma mulher, da Vânia. Debalde a Marta acaricia as nossas cabeças, em vão a Lana se desdobra em solicitudes várias, a Vânia é o coração daquela mesa, e nós somos a mera carne e osso, que agora se inteiriça em extemporâneo rigor mortis, privada que se vê da sua circulação sanguínea. Bem podemos continuar a falar alto, e a entornar copos a despropósito, mas a coisa não tem mais graça. Quer dizer, até tem graça, tem mesmo muita, mas tem bastante menos, sem ela.

Não podemos em boa verdade censurá-la, pois é sabido que a Vânia cresceu. O problema é justamente esse, a Vânia cresceu, e nós não. A mesa 19, com o seu tremendo potencial, capaz de derrubar sistemas, mudar paradigmas, escrever novas filosofias, continua a retouçar juvenilmente nos verdes prados da sua infância, sob o soberano olhar de desprezo de uma Vânia agora adulta, de uma maioridade de curta data, cartão de cidadã com a tinta ainda fresca, que não tem portanto idade para entender como pode um bando de quarentões portar-se como a ala mais insubordinada de um infantário para crianças difíceis. Virá a percebê-lo um dia, mas será tarde: nessa altura, estaremos todos mais velhos, ou até mais mortos, pois ninguém permanece jovem para sempre. Não, nem mesmo quando se trata da segunda juventude, a da maturidade.

Mas, afinal de contas, o valor de uma pessoa, e bem assim de uma mesa cheia delas, depende do que outra pessoa pensa sobre elas, ou será antes uma característica intrínseca ao próprio, ou próprios, que nenhum julgamento externo pode alterar? A coisa depende: o famoso professor Taskus Kopus, no seu conhecido livro de auto-estima, chamado “Meti o dedo no rabo, e agora cheira mal”, afirma que o valor de um ser humano jamais pode ser medido por terceiros, a menos que o ser humano em causa seja feito de ouro, ou de outra matéria valiosa, ou então uma modelo da Playboy. Não sendo esse o nosso caso, afirma o professor Kopus que o nosso valor é apenas nosso, independentemente de a Vânia achar que somos umas bestas, e mesmo, independentemente de sermos de facto umas bestas. É complicado, mas é assim que funciona.

E o que muda, então? Pouca coisa, a Vânia lá continuará a andar, servindo dedicadamente todas as mesas, até mesmo a nossa. Os figurantes do costume pedirão dobrada, o controlo do ar condicionado, cheirinhos, e o livro de reclamações. Talvez até as crónicas da mesa 19 persistam, mas serão as crónicas de uma mesa imaginária, uma távola idealizada. A verdadeira mesa 19, desleixada por uns, abandonada por outros, encornada pela Vânia, já só vive em espírito. Requiescat in pace, e que a terra bem guarde o seu corpo, pois a alma há-de seguir em frente, e não duvido que virá a cumprir o seu destino.

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