11.10.2006

41 – 19 não é um número redondo.

Já tem acontecido, por mais de uma vez, serem os portugueses o objecto destas crónicas. Não é, de resto, coisa de espantar, sendo a mesa 19 constituída, mais do que maioritariamente, por portugueses, conforme atesta a total ausência de estrangeiros entre nós. O ponto que pretendemos focar hoje é o seguinte, os portugueses não batem bem da bola.

Serve esta crónica para falar, não dos portugueses, mas sim da bola, desse esferóide que, de modo tão completo, absorve a atenção de tantos povos, os lusitanos incluídos. Ele é o futebol, certamente, mas igualmente o ténis, o snooker, o bowling, todas as práticas onde arbitrariamente se pontua ao sabor dos movimentos mais ou menos erráticos de uma esfera de dimensões pré-determinadas, manipulada de acordo com regras sabidas, que são aquelas só por não serem outras, ou mesmo umas quaisquer, que também serviam bem. O facto é este, toda esta gente vive da bola, seja em menor ou maior grau.

Sejamos por um instante moscas, e pousemos discretamente, convém ser discretamente, para fugir da fatal palmada, mas dizia eu, pousemos discretamente na borda de uma chávena, uma qualquer, das muitas que atravancam a mesa de um restaurante, em fim de refeição, e apuremos o ouvido: pois aposto, singelo contra dobrado, que acabaremos a ouvir uma qualquer treta, seja ela qual for, mas por certo relacionada com uma bola, e o mais provável é ser bola de futebol. Porquê esta obsessão, santo Deus?

Vem isto a propósito de uma idiossincrasia da mesa 19, mais uma, mas esta de particular relevo para o nosso assunto: a nossa mesa não se interessa particularmente por futebol, e muito menos por outros desportos esféricos, como os acima mencionados. É caso para dizer que, se os portugueses, de um modo geral, não batem bem da bola, a mesa 19, no seu todo, não bate bem com a bola. Aliás, para ser mais exacto, não bate bem nem mal, não bate mesmo nada.

Sim, confesso que há um ou outro adepto por lá, mas são andorinhas que não chegam para fazer o Verão, como não o faz um dia só. As conversas da bola que se ouvem por lá são marginais e raras, e os nossos tópicos são, com frequência, mais bicudos que esféricos. Não se pode, de facto, afirmar que nós não batemos bem da bola. É esse, de resto, o nosso problema.

O futebol é a nossa muleta nacional, tal como o estado do tempo é a muleta dos ingleses. É sabido que, se o tempo não mudasse de vez em quando, a Grã-bretanha seria uma nação silenciosa, por falta de assunto. Pois bem, não seria mais calada do que Portugal, caso alguém resolvesse, por despótico decreto, acabar com as conversas da bola. Nem é por acaso que se chama “a bola”, o ser futebol é mera casualidade, o importante é ter uma bola, qualquer coisa redonda. Mas, nem todas as bolas servem…

Ele há elitismos e populismos, nesta questão da bola. Qualquer pessoa pode iniciar uma conversa, servindo-se dos resultados da última jornada de futebol, mas há que estudar os circunstantes, antes de trazer à liça um resultado de andebol, e o snooker é matéria restrita à televisão por cabo. O ténis é um desporto de elites, e não vale sequer a pena falar no jogo do berlinde. Ou seja, há bolas e bolas.

Nas sociedades industrializadas, por exemplo, a coisa encontra-se perfeitamente estratificada. Os operários, gente rude e inculta, praticam habitualmente o básquete. Os escalões inferiores de técnicos são adeptos do bowling, enquanto os superiores preferem o futebol. Os quadros médios apreciam o andebol, e os de topo jogam snooker. Os administradores, pelo seu lado, não dispensam uma partida de golfe. Ou seja, quanto mais se sobe na hierarquia, mais pequenas vão ficando as bolas…

E quanto mais pequenas são as bolas, maior se torna a necessidade de falar delas. Não é esse o caso da mesa 19, onde as bolas são de bom tamanho, mas não se fala da bola. É por isso que aí ocorrem, tantas vezes, silêncios profundos, o silêncio de quem se cala por não ter, de momento, nada a dizer. Mas quando se fala ali, vale a pena ouvir o que é dito. É que não diz, regra geral, respeito a uma bola.

Sem comentários: