1.04.2007

58 – Ano Novo, vida nova.

É frequente, quando se trata destas crónicas, que a data da sua criação anteceda, por vezes largamente, a data da publicação. Foi esse, por exemplo, o caso da última, de pendor claramente natalício, mas que só viu a luz do dia em Janeiro. Considerando, contudo, os verdadeiros momentos da génese destes escritos, é este o primeiro a nascer em 2007. É justo, portanto, que seja o novo ano o seu tema.

Dito isto por outro modo, serve esta crónica para falar do Ano Novo, com tudo o que tal coisa acarreta, e, sobretudo, com tudo o que não acarreta, embora por vezes pareça que sim. É uso, por exemplo, associar ao ano novo uma tal de vida nova, mas, ainda Janeiro não vai a meio, e já a tal vida nova se começa a parecer confrangedoramente com a antiga, apenas com temperaturas mais baixas. Em que ficamos, então?

É quase impossível, nesta questão de Ano Novo, deixar de citar uma grande autoridade na matéria, o genial Quino, autor da polémica Mafalda. Numa das diversas tiras que sobre este tema o argentino desenhou, a Mafalda levanta-se da cama, no dia 1 de Janeiro, e pergunta: já acabaram as guerras, e as injustiças sociais? Reina a paz no mundo? As armas atómicas foram abolidas? Não? Então, por que raio é que mudámos de ano?

Porquê, de facto? Se as coisas vão continuar ao estilo de 2006, que, por sua vez, não passou de uma má reedição de 2005, qual será a vantagem de lhe chamar agora 2007? A um nível global, continuamos a viver num mundo cheio de países que Sadam Hussein poderia governar, e nos quais poderia igualmente ser executado. No plano nacional, para além da previsível continuação da nossa descida cambaleante pelos abismos do miserabilismo, só uma coisa mudou: com a entrada de mais dois países na UE, deixámos de ser os mais fortes candidatos ao vigésimo quinto lugar da Europa. Somos agora, em vez disso, os mais fortes candidatos ao vigésimo sétimo lugar da Europa.

Também a mesa 19 não mudou com a passagem de ano, o que, até um certo ponto, é uma boa coisa. Que não mudou é um facto, que eu tive a oportunidade de constatar ainda hoje. Reencontrámo-nos, após o interregno natalício, e no nosso reencontro experimentámo-nos, e achámo-nos todos os mesmos. Isso é bom, volto a dizer, mas talvez não seja perfeito. Olhando para dentro de nós, depois de olhar para fora, sinto que talvez haja espaço para alguma mudança.

Não estou a falar em mudarmos a nossa maneira de ser, não, que Deus nos defenda disso. Estamos muito bem tal como somos, e quem não gostar de ter bolinhas de papel em cima do ar condicionado, só tem de mandar tirar de lá o ar condicionado. O mesmo raciocínio se aplica aos malabarismos com jarros e copos vazios – para que servem esses recipientes, uma vez cumprida a sua função secundária de transportar vinho? Não, a nossa loucura é saudável, e deve continuar.

Ocorreu-me, apenas, que muita coisa importante é dita na mesa 19, sem que jamais veja a luz do dia. Hoje, por exemplo, discutiu-se a justiça, o sistema de saúde, a sua correlativa impunidade, o porquê de nada funcionar neste país, e a razão pela qual nenhum sistema de inspecções pode resolver o problema. Estas conversas são importantes, e deviam ser ecoadas. São importantes porque, com toda a franqueza, acredito que este país necessita desesperadamente de ser salvo, e acredito ainda mais profundamente que nada, nem ninguém, excepto cidadãos imbuídos de um profundo sentido de cidadania, o podem salvar.

Nós, na mesa 19, somos todos cidadãos. Somos mais, se me é permitido dizê-lo, cidadãos conscientes, inteligentes e informados. E parece-me lamentável que muitas das nossas ponderações se percam, entre o bruhaha das conversas sem rumo. Mas, como alterar isto?

Eu não sou, por natureza, um cronista factual, e não se pode esperar que estas crónicas relatem, ipsis verbis, o que é dito à mesa. O ideal seria que os comentários ao blog fizessem, como é usual noutros casos, as vezes de um fórum onde toda a gente pode debater o seu próprio ponto de vista. Este modelo seduziu-me, em tempos, mas rapidamente constatei que os meus apelos a mais frequentes comentários eram tomados, muitas vezes, como um pedido de aplausos e críticas elogiativas. Desisti, consequentemente, dessa abordagem.

Não sei qual seria o modelo ideal. Talvez um blog com diversos autores, onde toda a mesa 19 tivesse a oportunidade de publicar os seus posts. Isso iria, certamente, desencadear o tal fórum de comentários. Fica-me no entanto uma dúvida, estariam todos dispostos a dar-se ao trabalho de converter em escrita as opiniões veiculadas à mesa?

Seja como for, aqui ficam os meus votos para 2007. Gostaria de ver uma mesa 19 mais interventiva, mais virada para fora, mais decidida a deixar a marca do seu pensamento, pelo que este possa valer, no barro que nos rodeia. Minimizando os meus desejos, gostaria, pelo menos, de ler alguns comentários a esta crónica. Isso não deixaria de ser um começo.

Ou então, não. Esqueçam as divagações precedentes, e concentremo-nos na rotina habitual. Janeiro está apenas no início, é preciso não esquecer, e temos mais doze meses pela frente. O almoço já está servido?

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