1.24.2007

67 – Roma está a arder.

Foi desta, agora é que a bomba explodiu. Desabaram as muralhas de Jericó, o faraó deixou fugir os escravos israelitas, Hitler executou finalmente o último judeu. Pior do que tudo isto, a Vânia disse hoje (treme-me a língua, só de o relembrar), “Este restaurante é um lambajão. É uma tasca”. Quebrou-se, por fim, o último selo do Apocalipse.

Este restaurante é um lambajão. É uma tasca. Palavras memoráveis, que ainda hei-de um dia fazer gravar em bronze, numa placa que há-de ficar colocada sobre a porta de entrada, isto se não vier a cair mais tarde, partindo os cornos a qualquer cliente incauto, desses que cuidam que é sem risco que se adentra aquele santuário. A ser esse o caso, a placa ficará mais caída, o palerma mais morto, mas tudo o que a autópsia ressalvará serão as indeléveis palavras, Este restaurante é um lambajão. É uma tasca.

Serve esta crónica para falar deste restaurante, do tal que é um lambajão, uma tasca, e do que a mesa 19 pensa a esse respeito. Não, nem tanto disso, que as nossas opiniões têm sido já abundantemente registadas, ao longo de sessenta e tal crónicas. O que a mesa 19 pensa acerca dele é irrelevante, o nosso restaurante é um daqueles factos da vida. Existe, está ali, e pronto.

Soubemos hoje, contudo, que o nosso restaurante faz mais do que estar simplesmente ali. Concretamente, parece que é um lambajão. Isto levanta, evidentemente, sérias questões morais, éticas e epistemológicas, a que não podemos ficar indiferentes. Começo, só para ilustrar a magnitude do problema, pela primeira de todas: o que é, exactamente, um lambajão?

Pois bem, é humildemente que confesso a minha ignorância. Sei tanto o que é um lambajão, como sei por que raio é que os troianos resolveram trazer para dentro de portas um cavalo de madeira, daqueles que toda a gente está mesmo a ver que vêm cheios de soldados gregos. A coisa tem, pelo menos, o mérito de explicar o que é um presente de grego. Fica contudo por explicar o lambajão.

A consulta ao dicionário deixou-me na mesma. Na Internet, um motor de busca simpático sugeriu-me que verificasse lingueirão, mas continuei sem saber o que teria um molusco bivalve, aparentado com a amêijoa, a ver com a mesa 19.

Há ainda o Azerbeijão, mas trata-se de uma hipótese que se me afigura remota. Não, tive de reconhecer que o lambajão é uma palavra por mérito próprio, à semelhança de aventesma, avantesma ou abantesma, com o seu significado particular e inquestionável. Quem sabe se o étimo em questão não se prenderia com as pataniscas prometidas para amanhã? Nestes casos, é sempre melhor não fazer muitas perguntas, e levar guardanapos.

Resta, contudo, a parte final da frase da Vânia. Que o restaurante seja um lambajão, é algo sobre o qual estamos já de acordo, mas é que ele não se contenta em ser um mero lambajão. Não, ele é, para além disso, uma tasca.

Ora bem, a esse respeito, está a Vânia claramente equivocada. O nosso restaurante, ela que tranquilize o seu espírito, não é, nem jamais foi, uma tasca. Não, isso é algo de que ninguém o poderá nunca acusar.

As tascas são sujas, coisa que este restaurante não é. As mesas, nas tascas, são decrépitas e mal apresentadas. Nesses antros, somos servidos por estalajadeiras velhas e desdentadas, mais arruinadas ainda que o estabelecimento. Mais importante ainda, come-se muito bem, nas tascas.

Fica assim a coisa bem esquematizada e definida. O nosso restaurante não é uma tasca, helás, e não é também um lambajão, não, pelo menos, até descobrirmos que gaita é isso. Até lá, continua a ser o mesmo. Uma casa sóbria e respeitável, que tolera a mesa 19, ao mesmo tempo que se orgulha da mesa 19, tudo isto enquanto se envergonha da mesa 19. Quanto ao resto, é apenas um bom restaurante. A comida é que podia ser um bocadinho melhor, mas paciência, não se pode ter tudo. De resto, que mais poderíamos esperar, num restaurante que julga ser um lambajão?

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