1.31.2007

70 – Surrealismo.

Sim, bem sei que me estiquei um bocado na última crónica, e devo por isso uma desculpa aos pacientes leitores. Eu não tinha nada, realmente, de me pôr a falar de uma série de porcarias que não vou sequer referir aqui, como lambidelas de genitais, chupadelas de membros viris, e garrafas metidas no orifício anal. Escusam de recear os leitores que eu volte a mencionar quaisquer actos porcalhões de sexo oral, tal como não os menciono neste parágrafo. Isso foi meramente um fait divers, arrumado e encerrado. Acabaram-se de uma vez por todas as glandes sugadas em delírio, os entrefolhos percorridos por línguas sôfregas, as… enfim, percebem a ideia.

A fim de elevar o nível deste fórum, lembrei-me de falar sobre arte. O tema, tanto quanto me consigo recordar, é virgem nestas páginas. Houve, efectivamente, uma ocasião em que me ocorreram alguns pensamentos assaz profundos sobre Claude Monet, mas aconteceu que, de cada vez que os tentava escrever, a maldita caneta atraiçoava-me, e saía minete. Tentei então escrever sobre isso, e terei certamente o cuidado de incluir esses textos no livro que darei um dia à estampa, enquanto estiver a cumprir a minha pena de seis anos de cadeia, por depravação. Até lá, reservo-os, para não ficar sem assunto.

Vem tudo isto confirmar aquilo de que já todos suspeitávamos, que eu não sou propriamente uma pessoa muito culta. Não é que seja estúpido, de forma alguma, e ainda não cheguei ao ponto de confundir as grandes obras do mestre Picasso com a grande pica de aço do mestre-de-obras, mas a minha cultura artística deixa, mesmo assim, muito a desejar. Entendo-me razoavelmente bem com Rembrandt e Van Gogh, mas sou incapaz de distinguir Andy Warhol de um saco para a reciclagem, e Picasso tem sempre o condão de me lançar num estado de mente psicopático e confuso, que a geometria fractal jamais me produziu.

Serve esta crónica, já que para alguma coisa tem de servir, para falar do Rui Cardoso, que nos demonstrou hoje a sua, até agora insuspeitada, intenção de se dedicar à arte. Não o fez por palavras, meio que seria talvez banal e corriqueiro. Não, optou, ao invés disso, por nos demonstrar na prática a sua vocação.

Para esse efeito, começou por entornar na mesa, em posições cautelosamente estudadas, dois em cada três bocados da comida de que se servia. Alguns cuidaram que ele estava a ser simplesmente um javardolas, mas as mentes mais finamente habilitadas para a coisa artística apreenderam sem dificuldade o cerne da questão: o Rui estava a criar.

Nódoa a nódoa, ia-se desenhando, na toalha que já fora branca, uma obra de arte. Que retrato se compunha ali? Que coisa, perguntar-me-ão vocês, representaria o produto final? Pois bem, significaria o mesmo que usualmente significa, quando se trata de arte deste género. Nomeadamente, que o autor reconhece que levou ao limite extremo a cagada que podia fazer naquela mesa, pelo que desiste de aperfeiçoar ainda mais a sua obra.

A arte restaurativa processa-se de acordo com determinados parâmetros, e ainda bem que assim é. São esses parâmetros que asseguram que o erro na conta não ultrapassa uma certa percentagem, e garantem que as relações de cariz insultuoso com clientes de outras mesas não ultrapassam um certo limite, mantendo-nos desse modo a salvo de um processo judicial, que seria de outro modo inevitável.

E é assim que todos nos entendemos. A arte cagatória do Rui será um dia apreciada, ou então não. À nossa volta, e por toda a parte, gente continuará a lamber, a chupar ou a enfiar. É assim que a vida funciona, e não há nada que possamos fazer a esse respeito. O bacalhau das segundas-feiras continuará a ser à minhota, e grande parte dele será entornada sobre a mesa. Isto não é javardice, é apenas arte.

1 comentário:

ana disse...

O parágrafo da actiz negra é uma nódoa nesta crónica. Ou será arte?